sábado, outubro 08, 2005

O que vejo

Na mesa ao lado da minha, sentadas em duas cadeira brancas estão duas jovens.

Conversam sobre amores. Nos detalhes escaldantes baixam o tom de voz. Tocam no braço da outra e aproximam-se do ouvido da confidente, bichanam e soltam risinhos cúmplices.

A da esquerda está com ar de quem viu passarinho azul... derretida e visivelmente feliz.

A sua felicidade contrasta com a da rapariga que se senta na mesa de trás numa cadeira preta. Está só e sozinha.

Mexe vagarosamente o café vezes sem conta. Já está frio. Olha para o telemóvel à espera da sms que não chega, e se chegar, chega tarde para impedir que o coração lhe doa.

Leva o dedo ao canto do olho como quem enxuga uma lágrima. Deixo-a no seu espaço, com os seus pensamentos, para não invadir a sua tristeza e respeitar o seu silêncio. Embora no meu intímo desejasse que ela olhasse por um segundo na minha direccção para lhe poder dirigir um sorriso.

2 mesas para a esquerda, estão 2 rapazes. Conversam sobre trabalho. Vão escrevendo notas em blocos de papel. Rabiscam, rabiscam e rabiscam. Um é notoriamente o líder. O outro ouve com a atenção de quem não pode perder detalhe sobre o risco de cometer uma grande asneira. Acertam prazos. O atento, recorre a "bengalas" gestuais para esconder a dificuldade de encontrat um sítio onde colocar as mãos.

Uau... finalmente... crianças. 3. Vieram com a mãe. Senhora tranquila e bem disposta. Dois são um casal de gémeos. A mãe está serena e as crianças também. Portam-se bem porque é assim... tudo natural. Não manifestam nenhuma tensão causada pelo medo da punição.

Na mesa ao meu lado esquerdo está um casal. Olham ambos para o infinito em silêncio. Olham para o infinito em vez de olharem um para o outro. Estão mudos. Muda deve ser a sua vida. Sábado de manhã e nada para dizer, partilhar, ausência total de cumplicidade. Espelham nestes minutos, o tédio da vida a dois no seu expoente máximo. "Vamos?" diz ele. Ela levanta-se sem dizer palavra e sem olhar para ele. Nem confidências trocam em secretos olhares, típicos de quem conhece cada cm de pele do corpo e da alma ao lado, melhor do que do seu próprio corpo e do que sua alma.

A sala vai aos pouco com o adiantar da hora ficando cada vez mais cheia. A passagem das pessoas torna-se mais rápida.

Deixa de haver pessoas que bebem os seus cafés e tomam os seus pequenos almoços sem tempo. As que agora chegam trazem pressa nas intensões. O prazer torna-se algo desnecessário. Entram, saiem, e lá vão continuar as suas compras. Aqui ou noutra loja do centro comercial.

Entram e saiem...

Posted by Abelhinha at 11:38 da manhã

4 Comments

  1. Blogger CP posted at outubro 08, 2005 5:04 da tarde  
    A vida é feita destes pequenos nadas e destes grandes muitos.
  2. Blogger ManiacaDosPorques posted at outubro 09, 2005 12:03 da manhã  
    Incrível a correria que vai por nossas vidas... e nós próprios nem paramos para olhar para elas!
    Aqui que nos falta ver, que nos falta ouvir, tocar...viver...e parece que já há tão pouco a passar! Aqui onde tudo é cego e tudo é mudo... aqui onde cada um não sabe o que é ser para se dar aos outros e ser retribuido com imenso ternura e amor! ONde anda a mutua compreensão? Os olhares de carinho? Porque não parar para descansar ou que já não seja para aliviar a alma do sufoco da rotina, do relógio que não descansa?

    Adorei o teu dia de "visões"! Gosto muito de me sentar em pequenos bancos de centros comerciais e estudar o que tenho à minha volta e que retornos pode dar numa fracção de segundos!

    Beijinhos
  3. Blogger Agripina Roxo posted at outubro 09, 2005 1:14 da manhã  
    que bom foi por momentos estar ao teu lado e imaginar todas essas pessoas que tu viste :) a vida e feita de todas elas, dos seus quotidianos, sorrisos e lagrimas :) eu mesma ja fui cada uma dessas pessoas sentada numa qualquer cadeira de um cafe num sabado de manha :)
    beijinhos de cha *
  4. Blogger Mocho Falante posted at outubro 09, 2005 12:22 da tarde  
    Eu adoro sentar-me num local e ficar apenas a ver as pessoas à minha volta, para além de ser muito relaxante não deixa de ser um exercicio muito interessante

Enviar um comentário

« Home