Respondendo ao teu desafio, aqui fica Amigão
Um dia desafiaram-me a escrever um conto. Aceitei o desafio, peguei num papel e numa caneta, sentei-me numa mesa de café e comecei.
O resultado foi um conto triste. Não vivem felizes para sempre como nos contos infantis. E também não é um conto infantil, antes pelo contrário.
Apesar de ser um pouco diferente do que aqui normalmente escrevo, vou partilhar com vocês.
Encontravam-se sempre no mesmo sítio, à mesma hora. Encontravam-se no exacto lugar em que se conheceram. Esse lugar pertencia a outro Mundo, a um mundo onde só eles podiam entrar. Não era preciso chave, nem códigos de acesso. A porta abria-se com a auria de um Nós que era ele e ela.
Aquele dia não foi diferente aos outros dias todos de meses e anos passados.
À hora certa ela sentou-se, naquele lugar azul, com cheiro a brisa marinha e paladar a sol de inicio de Inverno. Estendeu a manta xadrez e sentou-se.
Ele chegou segundos depois e sentou-se também.
Tagarelavam sobre tudo e sobre nada como costume. Mas naquele dia algo foi diferente. No meio de conversas de paixões, emoções, ilusões, desilusões, surgem acusações, provocações e mutilações.
As palavras com gosto àquele Amor profundo que só dois seres iguais entre si sentem, estavam azedas. Como se o ranço do odio, do ciúme, do rancor tivessem tomado posse da razão apaixonada dele.
Ela tentou trazê-lo de volta a si. Implorou que ele parasse. Que ao menos continuassem a conversa no dia seguinte. Ele respondeu que ela não gostava que nenhuma discussão ficasse para o dia seguinte, para não crescer na noite mal dormida.
Ele espingardou, disparou, esfaqueou, metralhou...
Ela permanecia imóvel e hirta, sentada sobre a manta xadrez como um prisioneiro perante um pelotão de fuzilamento sem venda nos olhos. De olhos bem abertos e tristes, ela permanecia imóvel e hirta sentada sobre a manta xadrez.
Ele espingardava, disparava, esfaqueava e metralhava. Cego de ciúme, de raíva não se sabe bem de quê.
Ela enquanto permancia sentada naquela manta xadrez que só tinha partilhado com ele, a sua alma tombava sobre a lama sanguenta.
O cheiro não era mais a brisa marinha, nem o paladar de sol de inicio de Inverno. Cheirava a pólvora e sabia a sangue temperado de paixão.
Ela levantou-se, enquando o resto de si permanecia à espera de socorro que não viria. Nem a morte viria. Nada viria.
Ela levantou-se saiu do lugar azul e foi tomar banho. Retirar da pele o esterco do dia.
Ele poisou as armas e viu o resto dela imóvel e inconsciente no chão.
Foi ele o seu socorro num acto desesperado de arrependimento. Pegou-a nos braços e levou-a à fonte de água pura que ali corria.
Enquanto ela tomava banho para arrancar de si o fedor que existia apenas na sua memória, ele despia a sua camisa branca - aquela cor que ele escolhia sempre que estava com ela, porque era a cor que ela gostava mais - e da camisa fazia pequenas tiras com que limpava cada uma das feridas que ele mesmo provocara.
Ela nunca mais se sentou na manta xadrez. Ele continua a velar pelo resto de ela, que ainda hoje continua inerte e não morto. Continua a velar enquanto chora, enquanto espera que algo acabe ou milagrosamente recomece. Mas nada renasce, nem nada morre.
Por vezes ela diz-lhe de longe, com o resto do amor que lhe sobreviveu:
"Não chores. Foste tu que a mataste."
Posted by Abelhinha at 1:55 da manhã
6 Comments
Adorei o teu texto lindinha ... e adorei a tua nova colmeia !!!!
Beijinho ;)
Pois eu gostei muito.
Pareces já muito experiente nessas andanças. Pois não pares.
Então fica aqui uma proposta para um novo conto...desta feliz pode ser?
Beijocas
Eu só escrevo contos, ou textos, não sei como lhes hei-de chamar...e são muitas vezes melancólicos...dizem os outros...
E são? Sei lá...não tenho aqui espaço para me explicar...para responder à minha própria pergunta :-)
tem tanto de triste como de bonito :(
precisa de ser saboreado, não e facil
mas parece-me um desafio bem conseguido, um desafio a ser repetido :)
beijinhos grandes para a abelhinha mais simpatica que por aqui voa e para a sua linda Inês *
Parabéns pelo texto :)
Beijinho e Bom Domingo :)
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