sexta-feira, março 10, 2006

Faz hoje um ano

Faz hoje um ano que partiste.

Faz hoje um ano que repousas nas estrelas e que de lá olhas por nós.

Ainda hoje a Inês diz que vai olhar para as estrelas para ver a Bisa. Lá estás tu, com todo o teu brilho, mais brilho do que qualquer astro que te faça de leito.

Faz hoje um ano que partiste.

Despediste-te de nós, um por um. Esperaste por todos, mesmo por aqueles que estavam longe. Disseste Adeus e partiste.

Partiste para alívio teu e nosso, por ti. Mas em nós ficou a dor da saudade de não estares mais junto a nós.

Lembro-me do último momento que estive contigo. Segurei a tua mão e disse-te:

- Vó, falta pouco para esse sofrimento acabar! Quero que saibas que te amo muito.

Ali estavas tu. Deitada na cama onde passaste os teus últimos 6 meses. Ouviste o que te disse. Acenaste um pouco com a cabeça, tanto quanto a força que te restava e que a respiração não roubava. Dei-te um beijo e vim para casa. Sabia que jamais te veria com vida.

Falei com os outros que estavam também ali para se despedirem de ti. Disse-lhes que iria cancelar a reunião do dia seguinte, porque tu já não estarias entre nós. Responderam:

- Ela pode ficar ainda muitos dias assim. As nossas vidas não podem mudar por uma espera.

No dia seguinte, durante a reunião recebo um sms:

"A Avó já dorme"

Não voltei a ver-te. Sabia que o teu desejo era não seres vista depois de partires. Cumpri o que tacitamente todos tinhamos prometido. Cumprimos todos menos a estúpida da histérica da tua irmã que se portou muito mal neste dia cheio de dor (e continua a comportar-se agora na dor da tua irmã mais nova que tanto está a sofrer. Tem o mesmo mal que tu.)

Hoje foi o dia da missa. Não concordo com estas missas que um ano depois apenas servem para abrir as feridas mais ou menos fechadas. Mas fui, pelo avô e pela minha mãe.

Fui a pé desde a tua casa até à igreja. Fizemos este percurso tantas vezes as duas a pé durante a minha infância. Iamos comprar lãs para as camisolas que tricotavas para mim e para os meus irmãos - bem, tricotavas para toda a família, até para os meus bonecos.

A Inês ainda veste aos seus bébés alguns dos casacos e dos chapéus e dos cachecois, que fizeste com essas mão tão prendadas para os meus.

Fui a pé e recordei os momentos maravilhosos que passámos juntas.

Lembraste que o meu castigo era não ir para tua casa?

Tinhas umas bolsinhas onde guardavas as joias. Lá dentro, todas elas estavam com uma etiqueta onde dizias a quem deveria ser entregue. Tinhas tudo o que te era precioso naquelas bolsas. E a mim calhou-me o mais precioso de todos esses bens. No meio das tuas joias lá estavam eles, os bilhetinhos todos que te escrevi ao longo dos anos. Dezenas deles. Desde as simples declarações de amor, aos pedidos de desculpa.

Guardaste-os todos, todos estes anos.

E faz hoje um ano que partiste e fez ontem um ano que te beijei pela última vez.

Quero que hoje um ano desde que partiste me ouças gritar para a estrela onde repousas, que me ouças mais uma vez dizer:

EU AMO-TE AVÓ!

Posted by Abelhinha at 11:04 da tarde

6 Comments

  1. Anonymous Anónimo posted at março 11, 2006 3:36 da manhã  
    minha querida,

    atrevo-me a pintar este silêncio porque me comovi e isso hoje já não é tão frequente em mim.

    Mas como disse Agostinho, não sentimos saudade de quem trazemos no coração.

    Aconteceu-me algo como a ti, também com uma avó, a única pessoa que vi morrer.

    Era ainda jovem e não apenas jovial como hoje sou :-) e vi-me, uns dias antes, quando lhe presenti a partida, a pedir-lhe perdão por algumas vezes ter sido menos bondoso com ela, no trato, nos cuidados e numa ou outra maldade. Ela fez-me aquele sorriso que guardei junto com o exemplo de vida que me legou.

    Hoje ás vezes sorrio da mesma forma... e logo em seguida sorrio para mim e fico em paz.

    Como tu também ficaste depois de sorrires este belo texto.

    Quando se ama assim uma pessoa, é para sempre, ainda que para sempre, pareça muito tempo.

    O AMOR é LINDO, estás livre porque o deste e ao dar recebeste, porque podes dar sem amor, mas não podes amar sem dar.

    Paz no teu coração
  2. Blogger Hata_ mãe - até que a minha morte nos separe Hugo ! posted at março 11, 2006 2:45 da tarde  
    ......
    Há coisas que não se comentam

    um beijo
  3. Blogger rspiff posted at março 12, 2006 11:41 da tarde  
    Quando fiz 30 anos tinha os quatro avós. Com 31 e num espaço de meses perdi os dois avôs.

    Este sábado fui ver uma das minhas avós que não está muito bem. Por circunstâncias da vida nunca lá tinha ido com o meu filho e ele assustou-se...não quis insistir...ela nem a mim reconheceu...

    Mas espero que ela tenha ouvido ele a espreitar à porta e a mandar-lhe beijinhos...
  4. Blogger Cristina posted at março 22, 2006 10:06 da tarde  
    Abelhinha,
    Um post muito triste, mas escrito com tanta sinceridade tua. Também perdi a minha última avó á 10 mêses e sei o quanto doi perder um familiar mais próximo.
    Um beijinhu com carinho
  5. Blogger Mim posted at março 23, 2006 10:13 da manhã  
    Beijo-te com muito carinho.
  6. Anonymous Anónimo posted at março 26, 2006 11:48 da tarde  
    Impossível comentar. Bjinhos e um abraço

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