O meu fim de semana (quase) dava um thriller
Por vezes digo que a minha vida dava um filme. Este fim de semana a minha vida dava, nem sei o que dava.
Eu, o Carlos, o Madeira e o Morto-vivo fomos fazer uma caminhada à Serra da Estrela, que se iniciou na Loriga e terminou quase na Torre.
Chegamos à Pousada da Juventude às 18h30, mesmo na hora combinada.
Ficamos todos juntos numa camarata. Confesso que ficar numa camarata com o Morto-vivo não me deixava muito confortável. Ele até deve ser bom rapaz mas, cada vez que olho para ele, lembro-me daquela personagem de Ralph Fiennes no Red Dragon (o que eu tive que pesquisar para saber esta informação)... um rapaz tímido, anti-social que nas horas vagas matava pessoas.
Para solidificar a minha opinião o Morto-vivo ao ver a picareta de gelo do Carlos diz com ar sereno:
- Isto usa-se para matar pessoas, principalmente a mulheres.
Saí do quarto com um pretexto e pensei com os meus botões:
- É melhor deixar algo escrito sobre isto.
O Jorge seguiu-me e disse:
- Olha ele sabe como se mata. És capaz de ter razão - e riu-se.
- Ainda por cima a vítima sou eu... sou a única mulher.
Lá fora o nevoeiro adensava-se e eu senti-me num livro de Stephen King.
Fomos jantar. Não havia mais ninguém no restaurante.
O empregado atende-nos de uma forma excessivamente subserviente, repetindo vezes sem conta as expressões como "a gosto" e "Nossa Senhora dos Caminhos de Ferro". Contou-nos a história da sua vida, que trabalha em Lisboa, que é o "faz casas" e que se sente uma bola de ping pong mas que, o o patrão dele é o que "paga mais". Convida-nos a visitá-lo no restaurante onde trabalha "Chamem o Isento, de isenção."
A nossa refeição foi interrompida uma série de vezes com o pedido para cantarmos os parabéns ao patrãozinho dele, que é uma grande honra os clientes cantarem-lhe os parabéns.
A refeição é rematada com um fantástico ponto final:
- Se os senhores vão daqui com fome, juro que vos vou bater!
Mau! Um ameaça que me mata, outro que me bate!
Ao deitar-me não conseguia deixar de rir ao reviver todo o dia, embora o fizesse o mais baixo possível para não incomodar o resto das tropas.
A manhã seguinte começou bem cedo, ainda nem o sol tinha acabado de nascer.
Enquanto via a aurora a despertar o sol emoldurada por nevoeiro, o Morto-vivo aproxima-se de mim e pergunta-me:
- Viste o video da execução do Saddam Hussein sem censuras?
- Não.
- Está no Youtube. Foi engraçado. Via-se o corpo dele assim e a cabeça dele assim. É que ele partiu o pescoço - descrevia-me ele gesticulando para ilustrar o que viu.
Pensei que este fascínio pela morte não poderia ser normal.
- Deves ter tido sonhos muito agradáveis. (pausa) Riste muito durante a noite. (pausa) É bom rir assim. (pausa) Foi contagiante. (pausa) Também ri muito.
O nevoeiro era muito, mas decidimos começar o passeio assim mesmo.
O Morto-vivo, quando está na fase vivo é um chato...
Foi o caminho todo a dar-me lições de geologia. Apesar de achar o conhecimento algo fundamental, há coisas em que o conhecimento se torna desmistificador. A natureza tem, para mim, a beleza de eu não saber como tudo acontece, um lado mítico e dogmático. A natureza está bem assim... uma pedra é uma pedra, não um sedimento...
Após 1h nisto, resolvi cometer a indelicadeza de colocar os auscultadores num dos ouvidos, em sinal de afastamento, mas ele insistia...
Faltava um terço do caminho e deixei de ver o Carlos e o Jorge no nevoeiro cerrado. Apenas via o Morto-vivo.
Enquanto no meu ouvido esquerdo o Rodrigo Leão me dava algum bem estar, a situação punha-me os cabelos em pé:
- Estou feita! Não vejo ninguém além do assassino. Vou-me perder na serra com este tipo. Há mais 150 sujeitos naquela empresa e logo havia de ser com este. Vou-me perder e morrer. Ele vai-me matar.
De um momento para o outro também deixei de o ver. Nisto ele sai num pulo detrás do arbustoe diz:
- Olha vem aqui ver isto. É bem giro.
Pensei:
- Vai mostrar-me a minha sepultura. Minha filha amo-te muito! A mamã vai jazer aqui... no meio da serra numa tarde de nevoeiro!
- Olha... a água está gelada! - pega nhuma pedrinha e atira-a à água - O gelo está grosso. Nem o consigo partir.
Eu é que me parti de medo. Tinha que sair dali depressa e fiz-me ao caminho.
A determinada altura ele diz-me:
- Não é por aí, é por aqui.
- Tens a certeza? Pergunto eu completamente perdida - o melhor é apitar pelo Carlos.
- Não é preciso. É por aqui.
Comecei a rezar e segui-o como um condenado perante o pelotão de fuzilamento.
- E estrada é já ali.
Ao fundo 2 vultos escondidos na cortina. Eram mesmo o Carlos e o Madeira.
O alívio fez-me sentir o gelo da tarde trazido pelo vento, a húmidade das calças que se colavam às pernas.
Cheguei sã e salva...
Aprendi que corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que viaja com ele até ao fim sem deixar cair uma lágrima.
Posted by Abelhinha at 11:28 da tarde
1 Comments
Que aventura. Só mesmo tu para te acontecer uma coisa como esta. O morto-vivo tem mesmo ar the chuckie.
Fartei-me de rir.
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